Olhava para a folha
em branco e de lá nada saia. Nenhuma história surgia nas pontas dos
dedos do escritor e sua cabeça nada mais era do que um limbo branco
e vazio, onde ele vagava pela dor de precisar e não conseguir
escrever.
O bloqueio criativo
o deixava deprimido, desde criança seus pais e professores o
rotularam como escritor e o disseram que era a única coisa que ele
conseguia fazer direito. Lembrava da noite passada, de quando seu pai
o telefonou e o falou sobre a sua mente brilhante e o universo único
que habitava em sua cabeça. “Por que você não escreve outro
livro?”, o pai do escritor disse, e depois de horas e muito café a
página ainda estava em branco.
O universo único de
que seu pai lhe falara parecia ter sumido completamente e tudo que
conseguia enxergar era um prédio que via pela janela e que ainda
estava em construção. Imaginava o prédio anos à frente, ainda
inacabado e habitado por pessoas que não tinham abrigo. Tentava
imaginar a vida das pessoas lá, mas não conseguia imaginar o nome
de nenhuma delas, nem seus rostos, nem suas cores. Pessoas sem face
habitando um prédio velho que nunca fora acabado.
Depois que as
pessoas sem face se estabeleceram no prédio inacabado, começaram a
surgir grupos rivais, surgiam pessoas que se ajudavam, surgia sexo
sem amor e crianças sem face que nasciam de noites de bebida e
irresponsabilidade. “Talvez elas não tenham face porque o prédio
não tem face”, pensou consigo mesmo e percebeu que o universo de
que seu pai lhe falara nunca fora embora – sem nomes, sem rostos,
inacabado, mas vívido com suas histórias de dor.
Eis que descubro,
então, que durante o tempo todo o escritor sou eu.