sábado, 7 de março de 2015

HESITO

[Primeira hesitação:
Nunca voltarei]

A caminho da minha cidade natal, observo ao longo da estrada todas as novidades. Em frente à igreja, uma nova pracinha é construída. Mas a casa dos meus pais permanece a mesma. Dezembro chegou e me trouxe consigo para onde vivi por tanto tempo.

Meu pai ainda é o mesmo - o que come, os dias da semana em que bebe, os cochilos após o almoço, o tom de voz... As expressões da minha mãe permanecem as mesmas, as mesmas chantagens com apelo emocional, as mesmas preocupações.

Aos poucos, enquanto permaneço, sinto as mãos dos mortos - esperanças mortas - que apertam meu calcanhar e me puxam para o subsolo. Pretendem me enterrar.

Vou embora.
Nunca voltarei.

[Segunda hesitação:
Não amarei]

De volta à cidade, onde meus átomos, por segurança, permaneceram durante a minha estadia na cidade fantasma (é preciso ser um fantasma para enfrentá-los), sigo para um encontro.

Estendo os pés, cruzados, em cima do sofá. Cavidades completa e cuidadosamente expostas. Aqui, aparentemente, não há nenhum temor.

Mas há.

Os fluidos transitam de um corpo para o outro. O espírito de Laura e a metáfora do piano branco tomam conta de mim - eles querem que a vida seja tudo, ou vão embora. De súbito, sinto que me entrego: eis meu corpo, eis meus 60kg, como sinal do meu... amor?

Vou embora.
Não.
Amarei.

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