domingo, 30 de maio de 2010

Ela nunca teve certeza com ele

A noite estava cheia de luzes ao som de um piano. Puxei seu braço e sussurrei em seu ouvido:
- Não vá embora.
Eu sabia que ela não ficaria, era claro que ela encarava meu amor como mais um de seus brinquedos. Virou seu rosto e pôs o cabelo atrás da orelha.
- Não posso.
Não havia motivos, só o seu velho jogo e seu jeito frio de ser. Se eu conseguisse sentir ódio por ela agora mesmo estaria a chamando de idiota, porque é isso que ela é, uma completa idiota.
Depois da última conversa que tivemos em que ela me contou o quanto sua vida era complicada e o quanto eu a complicaria mais se entrasse nela, eu não fiz mais questão de ter notícias suas. Bem que podia ter sido apenas para que eu me apaixonasse mais, mas não era.
Eu aprendi a me acostumar com o estranho amor que ainda guardo por ela e acho até que ele nem existe mais, é só uma sensação estranha ao vê-la com  outro e um sorriso tão feliz de um jeito que nunca foi comigo.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Eles dois

Os dois que caminhavam juntos, seguindo uma estrada sem fim, atordoando e atormentando a quem menos e a quem mais se preocupava. Tão infinitos quanto o caminho, tão empoeirados quanto a maleta de confusões que pertubava meu destino, tão inspirados em filmes, estações do ano. Eram dotados de cores e folhas, caminhavam harmoniosamente transformando caoticamente a música em lágrima e os batimentos partidos cardíacos em versos de tristes canções.
Esses dois que não perdoavam ninguém, nem a si mesmos, sempre alternando entre si, sempre alternando entre outros. Eles não dizem "amém" e que fazem isso apenas pra rimar, eles não perdoam ninguém, porque cada rima nesse caso é parte de um processo decisivo e lento, como se fosse uma dança que dura e a cada passo que se alonga, machuca mais a mim.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Fica

Vou pedir pra você ficar aqui e pra ver se dessa vez você fica de vez. Vou pedir pra você me mostrar os cenários mais bonitos dessa cidade que não tem cartão-postal. Vou pedir pra você abrir um sorriso e estender no varal. Vou pedir pra você trazer aquela velha foto do pré-escolar. Vou pedir pra quando acordar fazer aquela cara de quem não queria ir pro trabalho hoje e me abraçar. Com sua boca cheia de dentes... com sua vida farta dos meus caprichos... com seu mau hálito matinal. Vou pedir pra me chamar na varanda, quando a noite dessa cidade não se der pra ver a lua, tampouco as estrelas. Vou pedir pra estalar meus dedos, os do pé só de vez em quando. Vou pedir um desenho nas minhas costas. Vou ver se você conta até o infinito. Vou pedir o arroz de leite no jantar. Vou pedir que me conte e recorte, desdenhe e resenhe cada arrepio, cada beijo na carne viva, cada defeito, cada amor-perfeito que eu usar no buquê de flores do meu casamento. Vou pedir pra me ver como sensível e forte, pra você se ver como um homem idiota e sem sorte, por ter achado mulherzinha tão mal-amada que sou eu. Vou pedir pra não me lembrar de todo amor que eu um dia já tive pra dar quando alguém deixou meu coração cafajeste e vagabundo. O que eu já nem lembro mais. Vou te pedir que me leve pra outro país, de mochila nas costas e nada mais. Vou pedir que por favor, amanhã ou depois de amanhã, me ache ou me esbarre para que eu possa te pedir isso tudo e trazer você pra mim que eu ainda nem conheci.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Eles precisam se conhecer

Imagino ela. Que entra no ônibus indo para o trabalho. Ela se senta com a coluna reta, enquanto segura a bolsa que carrega com a mão. Há uma velha sentada logo na frente, muito abusada, mau humorada. Há um garotão sentado na fila de assentos ao lado, óculos escuros e um anel enorme no dedo da mão direita, não é ele. Um garotinho sentado no assento da frente, virado para trás, inquieto, olhando pra janela, olhando pros outros passageiros enquanto a mãe rigorosamente manda o filho aquietar-se. Começa a música de fundo: "Here comes your man".
Agora imagino ele. Acorda, lava o rosto e ajeita o cabelo em frente ao espelho, o põe pra trás. Escuta o recado na secretária eletrônica da mãe avisando uma coisa que ele nem sequer ouviu direito. Come qualquer coisa, pega os trabalhos em cima da mesa e sai. Começa a música de fundo: "She's got you high (and you don't even know yet)". Veja as pessoas caminhando pro trabalho. Ele cumprimenta algumas dessas pessoas enquanto caminha.
Os dois ainda não se conhecem, ela nem sabe que ele existe e vice-versa, mas eu tenho certeza absoluta que são feitos um pro outro. Talvez demore anos até que eles se esbarrem na rua e se conheçam e se apaixonem. Talvez eles se conheçam amanhã, saiam juntos e vivam juntos. E eu não vou dizer o talvez de que não são feitos um para o outro. Eu vou dizer apenas que talvez eles nunca se conheçam, nunca se esbarrem e nunca troquem telefone, mas eu sei que é maldade do destino nunca nos apresentar para pessoa certa pra nós.