quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Amorfo


Olhava para a folha em branco e de lá nada saia. Nenhuma história surgia nas pontas dos dedos do escritor e sua cabeça nada mais era do que um limbo branco e vazio, onde ele vagava pela dor de precisar e não conseguir escrever.

O bloqueio criativo o deixava deprimido, desde criança seus pais e professores o rotularam como escritor e o disseram que era a única coisa que ele conseguia fazer direito. Lembrava da noite passada, de quando seu pai o telefonou e o falou sobre a sua mente brilhante e o universo único que habitava em sua cabeça. “Por que você não escreve outro livro?”, o pai do escritor disse, e depois de horas e muito café a página ainda estava em branco.

O universo único de que seu pai lhe falara parecia ter sumido completamente e tudo que conseguia enxergar era um prédio que via pela janela e que ainda estava em construção. Imaginava o prédio anos à frente, ainda inacabado e habitado por pessoas que não tinham abrigo. Tentava imaginar a vida das pessoas lá, mas não conseguia imaginar o nome de nenhuma delas, nem seus rostos, nem suas cores. Pessoas sem face habitando um prédio velho que nunca fora acabado.

Depois que as pessoas sem face se estabeleceram no prédio inacabado, começaram a surgir grupos rivais, surgiam pessoas que se ajudavam, surgia sexo sem amor e crianças sem face que nasciam de noites de bebida e irresponsabilidade. “Talvez elas não tenham face porque o prédio não tem face”, pensou consigo mesmo e percebeu que o universo de que seu pai lhe falara nunca fora embora – sem nomes, sem rostos, inacabado, mas vívido com suas histórias de dor.

Eis que descubro, então, que durante o tempo todo o escritor sou eu.

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